Quem te inspira quando o assunto é inclusão e aprendizagem de pessoas com deficiência, com transtorno do neurodesenvolvimento? Quais são as boas experiências organizadas e aplicadas para incluir crianças e adolescentes em atividades de esporte, arte e movimento?
Nos estudos e aplicações práticas que temos realizado, algumas pessoas têm nos inspirado. No Brasil, quando buscamos compreender mais sobre os transtornos do neurodesenvolvimento, a Dra. Raquel Del Monde, já citada anteriormente em algumas aulas, é uma inspiração para nós e você vai ouvir muitas citações sobre seus estudos. Uma outra referência, e agora buscamos uma inspiração internacional, é a Profa. Temple Grandin – Psicóloga, educadora, neurocientista autista, autora do livro “O cérebro do Autista”, entre outros. Elas têm nos ajudado a compreender ainda mais sobre neurodiversidade, sobre neruodivergência, sobre inclusão, como crianças e adolescentes autistas aprendem, como é a sua relação com o convívio social e o quanto é diverso e único o universo da inclusão de crianças e adolescentes com transtorno do neurodesenvolvimento.
A partir da necessidade e demanda crescente por inclusão de crianças e adolescentes com deficiência, sobretudo com transtorno do neurodesenvolvimento, nos mais diferentes contextos de aplicação prática das atividades de esporte educacional, da arte, do jogo, da brincadeira, inspirados pelas leituras e pelas experiências que vivemos no Projeto Caravana do Esporte e Caravana das Artes, desenvolvemos, organizamos e aplicamos um método de atuação que denominamos de A TRÍADE DA INCLUSÃO: A Comunicação, o cenário de aprendizagem e a intervenção pedagógica.
A COMUNICAÇÃO
Quando falamos daárea de COMUNICAÇÃO entendemos que para haver ensino é necessário que todas as pessoas envolvidas no processo compreendam o que se deseja ensinar e o que desejamos que elas aprendam: tornar o “caminho” do ensino e da aprendizagem “claro”, compreensível, possível, previsível e com expectativas reais, torna o processo mais seguro e inclusivo. Então, como tornar a comunicação mais assertiva e possível para pessoas com deficiência, sobretudo com transtornos do neurodesenvolvimento?
Partimos da premissa que as ações de comunicação circulam a partir de alguns atores educacionais e sociais: educador/a – estudante, educador/a – família, educador/a – escola, educador/a – profissionais de inclusão da escola etc. Claro que existem outras tantas conexões de comunicação, mas via de regra, aprendemos que quanto mais diversificamos as formas de nos comunicarmos mais aumentamos as chances de as pessoas compreenderem o que se comunica.
Sendo assim, organizamos e aplicamos algumas estratégias de comunicação a partir das nossas necessidades de ensinar esporte e arte, e temos observado resultados importantes nas práticas que compartilhamos com vocês.
1 – História Social
“De acordo com Gray (2000), as Histórias Sociais são curtas e individualizadas, e podem ser usadas para ajudar pessoas com transtornos do neurodesenvolvimento na interpretação e na compreensão de situações sociais não corriqueiras ou vividas cotidianamente. O objetivo do uso dessas histórias é descrever situações sociais em que as pessoas possam ter dificuldades em identificar os sinais sociais relevantes ou os comportamentos esperados, além de servir para compreender as consequências de comportar-se de forma adequada ou inadequada.”
Para as ações do projeto Caravana do Esporte e Caravana das Artes, por se tratar de um evento de esporte e arte educacional, organizamos uma História Social para situações não habituais, ou seja, fora da rotina dos estudantes, já que se trata de dia de passeio, um dia evento esportivo/cultural fora da escola.
Deste modo, na história social contamos o passo a passo, de como será essa rotina, por meio de frases curtas, claras, sem dupla interpretação, acompanhadas de imagens que as tornem mais compreensíveis. São importantes também imagens que antecipem as atividades e espaços que serão vivenciados.
Já para as atividades realizadas com frequência, ou seja, em quem as crianças e adolescentes estejam mais habituadas com a rotina diária ou semanal, como por exemplo nas aulas de esporte educacional ou de arte na escola, o importante é estabelecer uma rotina da aula com combinados claros, objetivos e que garantam previsibilidade.
2 – Banners da rotina
Os banners da rotina podem ser elaborados em flipchart, papel Kraft ou com material mais duradouro em que algumas imagens possam ser modificadas e coladas de acordo com as adaptações e temas.
Com a utilização do banner tornamos o ambiente mais previsível e com comunicação diversificada, já que ele é organizado a partir de imagens. Lembre-se sempre que toda comunicação deve ser organizada e aplicada para crianças e adolescentes verbais e não verbais. Nossa experiência prática mostra evidências de que uma boa estratégia para o/a educador/a é apresentar a rotina sempre no início da aula, com as estratégias, organizando combinados, prevendo alterações que serão realizadas e, dessa forma, aumentar a previsibilidade. É sabido que uma aula sempre apresenta modificações, alterações e situações que nem sempre são possíveis de se prever. Nossa experiência prática nos mostra que quando isso ocorre é importante recorrer novamente às estratégias de comunicação e restabelecer a nova rotina. À medida que vai se avançando na conquista da autonomia e segurança, naturalmente as crianças e adolescentes, sobretudo as não verbais, vão apontando suas necessidades.
É importante ressaltar que utilizamos algumas imagens que são comuns em todas as estações esportivas e artísticas da Caravana: Quero tomar água / Quero ir ao banheiro / Quero meu brinquedo / Está muito barulho / Quero meu colega.
E imagens específicas que as crianças e adolescentes irão encontrar em cada espaço de prática. Inspire-se com essas ideias e crie você mesmo outras formas de comunicação!
3 – Cartões pedagógicos
Os cartões pedagógicos foram desenvolvidos para colaborar com a comunicação das atividades que serão realizadas durante as atividades esportivas e artísticas e buscam dar previsibilidade e estabelecer uma sequência lógica a tudo que vai acontecer. A cada estratégia organizada e modificada, apresentamos os cartões para garantir que todas as crianças, verbais ou não verbais, possam compreender o que se deseja ensinar e aprender.
Perceba que desde que iniciamos nosso diálogo sobre comunicação estamos apresentando diferentes formas de nos comunicar, utilizando diversas estratégias para ampliar as possibilidades de compreensão do que desejamos ensinar. Você deve estar pensando: mas essas estratégias não são aplicáveis para crianças típicas e neuroatípicas? São sim, e é possível afirmar que todas as crianças e adolescentes participantes de uma rotina de aula se beneficiam dessa variedade de formas de se comunicar.
Na nossa rotina pedagógica, com aulas de esporte e arte educacionais, dança, música, jogos e brincadeiras, utilizamos imagens para permitir a compreensão de situações que ocorrem com constância como: roda de conversa, combinados, momento de ir ao banheiro, momento de brincar e/ou jogar, momento de jogar em duplas, de jogar em grupos, de dançar, de cantar, de tocar um instrumento, entre outras.
O CENÁRIO DE APRENDIZAGEM
Falar de cenário de aprendizagem é, para nós, planejar e organizar um ambiente que seja “rico” em possibilidades de experimentação e aprendizagem. Temple Grandin, em seus estudos e publicações, enfatiza a importância do enriquecimento ambiental como forma de proporcionar às crianças e adolescentes diferentes formas de experimentar e aprender.
Na nossa experiência de mais de 20 anos no Instituto Esporte e Educação e Instituto Mpumalanga compreendemos que para aumentar as possibilidades das crianças e adolescentes aprenderem é fundamental diversificarmos espaços e materiais. Para nós, quanto mais diversos forem os espaços e materiais oferecidos, mais ampliamos as possibilidades das crianças e adolescentes aprenderem. Sendo assim, essa é uma importante orientação didática quando planejamos e aplicamos projetos e sequências didáticas, tanto para crianças típicas quanto para crianças neuroatípicas.
Vamos a um exemplo de uma aula de esporte educacional cujo objetivo é ensinar as crianças arremessarem e/ou lançarem: diversificamos os recursos materiais quando oferecemos a oportunidade das crianças e adolescentes arremessarem com bolas de diferentes formas, pesos e texturas. Para tanto, confeccionamos e oferecemos bolas de pano, bolas de borracha, bolas de bexiga, bolas de meia, bolas leves, bolas pesadas, bolas coloridas, entre outras possibilidades. Já com relação ao espaço, diversificamos quando “rompemos” com a ideia de que para se ensinar o arremesso é preciso um ambiente formal, ou seja, um espaço “oficial”. Nas nossas aulas de arremesso utilizamos diferentes espaços disponíveis para que se aprenda a arremessar e ajustamos sempre as distâncias para as necessidades de quem aprende. O que importa é que se consiga arremessar e, em se conseguindo, vá se “formando” um pensamento fortalecido de conquista e sucesso. Dificilmente alguém que tem uma sequência de insucessos se sentirá capaz de fazer novamente. Então, na nossa pedagogia o que importa inicialmente é conseguir fazer e, pouco a pouco, vamos acrescentado as dificuldades.
INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA
A intervenção pedagógica, na tríade da inclusão, é a “mão na massa” do educador e da educadora. É a prática pedagógica, a aula como ela é. É aqui nessa área que o “bom professor e a boa professora” têm a oportunidade de colocar em prática tudo que planejou para que suas aulas seja realmente inclusivas: a utilização da comunicação alternativa, o uso dos cartões de comunicação, a organização do espaço inclusivo, a utilização dos materiais diversificados, a escolha de bons jogos, boas atividades, a observação e consideração dos conhecimentos prévios dos estudantes. Enfim, é a junção de todos os recursos e ferramentas didáticas que potencializam a aprendizagem e a inclusão.
Nos espaços de atendimento de crianças e adolescentes nos projetos que desenvolvemos, nós utilizamos esses diferentes recursos ou ferramentas didáticas para aumentar as possibilidades de aprendizagem e inclusão. Crianças e adolescentes aprendem pela:
- Repetição (+ ou – tempo – respeitando as individualidades)
- Experimentação (trabalho / mão na massa)
- Interação com o outro (grupos pequenos são mais “seguros”)
- Instrução (clara, objetiva e utilizando diferentes recursos de comunicação)
- Atenção e respeito ao “jeito” de cada um/a
Nesta perspectiva, é encarar a INCLUSÃO não como um problema, mas como um desafio e uma oportunidade que passa por acreditar que crianças e adolescentes neurodivergentes são crianças e adolescentes e, como tal, têm o direito de aprender e ser feliz.