— COLUNISTAS/ Adriano Rossetto Junior

Esporte na Vida Autônoma 

ESCRITO EM — 30/09/2024

10:45 hs

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Atualmente se pratica esporte nas aulas de educação física nas escolas e em projetos sociais como meio de educação. Também, observa-se o esporte nas ruas, parques, praias e pátio escolares como lazer de crianças, jovens e adultos. Bem como, o esporte profissional, de alta performance, que é visto na mídia, nos clubes, sempre praticados pelos mais habilidosos, os atletas.

O reconhecimento da amplitude de abrangência e importância do fenômeno esporte levou a prática esportiva a ser reconhecida como direito de todos em vários países e no Brasil, como é evidenciado na Constituição Federal do Brasil, no artigo 217 e, ainda, exaltando-se nos direitos às crianças e adolescentes (ECA, 1992, cap.II, art. 16).

O Estado brasileiro tenta garantir o direito da prática esportiva aos cidadãos com a obrigatoriedade da aula de educação física no currículo da escola básica, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Programas federais de esportes, como o Programa segundo tempo e o Programa esporte e lazer na comunidade, e outros tantos de ordem estadual e municipal, além de centros esportivos e de lazer gestados pelas esferas governamentais, sustentam esse direito. 

Portanto, a maioria das crianças e adolescentes brasileiros, obrigatoriamente, pratica esporte em algum momento de sua vida, mesmo que apenas em algumas aulas da educação física escolar. Ou o vive como espectadores, torcedores ou mesmo tendo que justificar o não interesse pelo esporte, pois este é presente na vida das pessoas desde o nascimento.

Na maternidade, já ganham presentes com o símbolo do clube da família, ainda pequenos são levados às praças esportivas, convivem com as vitórias e derrotas das equipes de seus pais e a mudança de comportamento gerado neste contexto. Na escola têm aulas de esporte, convivem com amigos de equipes adversárias, a mídia repercute o esporte e envolve as crianças com o espetáculo, as normas e costumes do esporte estão presentes em diversos espaços e grupos de convívio, como condomínio, praça, clubes, rua, escola e outros. Também são motivados à prática de diferentes modalidades esportivas na infância, ou seja, o esporte está presente na vida cotidiana de muitos indivíduos.

De acordo com Heller (2004), existe muita heterogeneidade, hierarquia e flexibilidade na significação da vida humana, por ser passível de interferências das estruturas econômicas, sociais, religiosas, étnicas e pessoais, com variações de prevalência destes fatores para cada sujeito. Cabe notar que todos estes aspectos se interrelacionam no dia a dia. Mas, poderia o esporte ser uma atividade da vida cotidiana com representações significativas para os que o praticam? 

Para Javeau (2003), toda a vida cotidiana representa uma síntese da existência humana, mas que não se limita a nenhum aspecto nem se apresenta em um único deles. Este autor considera o cotidiano um paradigma, uma instância epistemológica, um ponto de vista. A vida cotidiana é a realidade por excelência, porque impõe a consciência de maneira mais maciça, urgente e intensa. Nas palavras de Berger e Luckmann (1974, p. 38):

A realidade da vida cotidiana aparece já objetivada, isto é, constituída por uma ordem de objetos que foram designados como objetos antes de minha entrada na cena. A linguagem usada na vida cotidiana fornece-me continuamente as necessárias objetivações e determina a ordem em que estas adquirem sentido e na qual a vida cotidiana ganha significado para mim.

Berger e Luckmann (1974) consideram que a cultura e a linguagem marcam as características da vida social, preenchendo-a de objetos significativos. A realidade da vida cotidiana está organizada em torno do agora do meu presente e do aqui de meu corpo. O esporte é uma manifestação cultural, uma linguagem corporal repleta de objetos dotados de significação, como pódio, bandeiras, medalhas e outros. Também, está presente na vida cotidiana, muitas vezes muito próximo e constante, constituindo-se em atividade diária, como nas aulas de educação física e nas atividades de lazer. Logo, o esporte determina objetivações, modos de vida, valores sociais, entre outros. Assim, poder-se-ia inferir que o esporte determinaria as relações sociais e o processo de desenvolvimento do ser humano?

Ainda mais, quando os autores relatam que as buscas de solução dos problemas da vida cotidiana aumentam e enriquecem o conhecimento e as habilidades, sendo que o esporte apresenta diversas situações problemas em várias esferas do comportamento humano e que para a sua prática são necessárias soluções imediatas.  No campo social, com as inter-relações pessoais, a convivência e o trabalho em grupo. Na esfera moral, com as regras e normas esportivas, a disciplina etc. Nas emoções, com a disputa, rivalidade e agressividade essenciais para a competição. No âmbito da motricidade, com as exigências das habilidades e capacidades físicas. 

O amadurecimento do homem significa adquirir habilidades para a vida cotidiana. O aprender e o desenvolvimento dessas habilidades ocorrem na assimilação das relações sociais, na comunicação social do cotidiano. Nessa perspectiva, em grupos pequenos se estabelecem mediações entre o indivíduo e os costumes, as normas e a ética de integrações maiores. Porém, torna-se adulto somente quando as normas assimiladas nos grupos restritos (família, escola, religião, esporte etc.) transformam-se nos valores que orientam as integrações maiores, quando o indivíduo é capaz de se manter autonomamente (HELLER, 2004).   Portanto, poder-se-ia afirmar que o grupo de prática esportiva se constitui em espaço de comunicação social que favorece a assimilação das relações sociais que orientam o desenvolvimento do homem para agir autonomamente em situações da sociedade em geral? Caso afirmativo, o esporte caracterizar-se-ia como um fator fundamental no amadurecimento humano para a vida autônoma.

REFERÊNCIAS

BERGER, P.L.; LUCKMANN, T. (1974) Os fundamentos do conhecimento da vida cotidiana. In A construção social da realidade.Tratado de sociologia do Conhecimento. Petrópolis: Vozes.

HELLER, A. (2004) Estrutura da vida cotidiana. In O Cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder.

JAVEAU, C. (2003) Regresso à sociologia da vida cotidiana. Trajectos, revista de comunicação, cultura e educação, n.3, p.89-95. Lisboa: ISCTE.

Adriano Rosseto Jr.
Coordenador do Instituto Esporte & Educação
Graduado em Educação Física e Pedagogia, Especialista em Educação Física escolar, Mestrado em Educação, Doutorado em Ciências Sociais
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