— COLUNISTAS/ João Batista Freire

Jogando para ensinar

ESCRITO EM — 14/11/2024

09:54 hs

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No esporte educacional há dois detalhes, ao menos, que o diferencia das demais práticas reconhecidas no Brasil, quais sejam, o esporte de alto rendimento e o esporte de participação ou de lazer. Nesses dois últimos, mesmo que sejam educacionais, não o são intencionalmente. No esporte educacional sim, há a intenção explícita de educar, embora, de maneira geral, sejam muito confusos os objetivos quanto ao que educar. Além disso, no esporte educacional a prática do esporte é fim e meio, intencionalmente, ao passo que nas demais manifestações esportivas a prática esportiva é apenas fim. O Instituto Esporte e Educação (IEE), no entanto, pretende promover educação esportiva para crianças e adolescentes explicitando claramente os objetivos educacionais de suas práticas.

Essa explicitação começa pela definição dos princípios que alicerçam o esporte educacional na visão do IEE: a inclusão de todos, o respeito à diversidade, a autonomia, a construção coletiva e a educação integral. Respeitando tais princípios e garantindo, na prática, que o esporte será bem ensinado a todos, levando dele conhecimentos para a vida fora das quadras, campos, piscinas e outros espaços esportivos, o IEE esclarece seus objetivos educacionais. Pessoas educadas para ter autonomia e construir coletivamente, pessoas que são aceitas no esporte independentemente de suas crenças religiosas, suas cores de pele, suas orientações sexuais, pesos, tamanhos, nacionalidades etc. São educadas para viverem como cidadãs e praticar esportes é uma maneira de viver como tal. Mas não cidadãs aleatoriamente em qualquer sociedade, mas cidadãs que aspiram a democracia e com chances de participar da construção de uma sociedade melhor, isto é, mais justa e digna.

No campo da educação, não bastam as intenções, porém. Aquilo que se pensa, que se planeja em educação, tem que ser convertido em práticas que materializem tais intenções. No caso do esporte, não basta saber controlar uma bola, por exemplo, para que as intenções de formar cidadãos se concretizem. No esporte educacional é importante aprender a controlar uma bola. Porém, os objetivos da educação esportiva vão além disso, pretendem formar o jogador de bola e o cidadão. O jogar bola não opera, por si só, o milagre de formar o cidadão digno, justo, equilibrado, generoso, autônomo, solidário, capaz de lidar racionalmente com os problemas, de conviver em família, em grupos sociais, em ambientes políticos. Ora, se o jogar bola, por si só, não garante a formação do cidadão, temos que encontrar a solução para isso nos meios para se chegar a aprender a jogar bola. Ou seja, no método.

De nosso ponto de vista, quando se trata de educar num ambiente lúdico, por exemplo, no esporte, algo muito especial acontece: os alunos entregam-se às aprendizagens por encantamento; encantamento pelo jogo, pelo lúdico. Não é preciso amarrá-los em carteiras, amordaçá-los, reprimir seus sentimentos, eliminar suas emoções. O esporte admite sentimentos, emoções, paixões de vários tipos e não pode ser bem praticado sem isso. Em nosso empenho educacional, o jogo – e com ele as brincadeiras e o esporte – é o combustível das aprendizagens, o impulso maior, a mais forte motivação. Não foi apenas porque o IEE nasceu do esporte que o jogo se tornou o motor das práticas educacionais do esporte educacional, mas também porque o jogo torna a educação encantadora, querida pelos alunos, que não precisam ser amarrados, amordaçados e chantageados para aprender somente aquilo que as instituições querem ensinar.

Antes de tudo, durante uma aula, é preciso ter a adesão dos alunos e, em seguida, ter sua atenção ao que deve ser aprendido. Depois, é necessário definir que ponto de vista será assumido durante o processo educacional. Na tradição escolar, o ponto de vista assumido é o da escola, do currículo, do educador. No caso do esporte educacional, e até pelas características do lúdico, o ponto de vista assumido tem dois lados, o de quem ensina e o de quem aprende. Por exemplo, quando, ao ensinar brincadeiras de basquetebol para crianças, disponibilizamos tabelas e aros em diversas alturas, estamos considerando o ponto de vista dessas crianças. Nesse caso, trata-se do esporte virando criança. Na educação tradicional, a criança teria que virar esporte.

Os exemplos dados pelo esporte educacional na visão do Instituto Esporte e Educação, em que o ponto de vista dos alunos é tão importante quanto o dos professores, são fartos: quando abaixamos as redes de voleibol, quando aumentamos o números de metas no futebol, quando adaptamos o jogo de golfe, quando definimos uma metodologia criança para o slackline, quando fazemos raquetes leves e baratas para jogar tênis, quando fabricamos bolas de meias para diversos jogos, quando transformamos tampinhas de garrafas em objetos de criatividade de brincadeiras e assim por diante.

Contamos com a adesão entusiasmada dos alunos quando se trata de ensinar o esporte educacional. São raros os casos de insucesso de aprendizagem nas aulas. Porém, temos, ainda, que esclarecer a questão de formação de cidadãos. No IEE chamamos a formação de conhecimentos que vão além das práticas imediatas de educação integral. É um dos pilares da metodologia do IEE.

Só há uma maneira possível de garantir, minimamente, que aquilo que se aprende em uma prática esportiva vá além dessa prática e se estenda à vida fora do esporte a curto, médio e longo prazo: a maneira de educar, isto é, o método. Cooperação é, por exemplo, fazer junto com outros aquilo que não se pode fazer sozinho, tendo por objetivo o bem comum. Essa prática cooperativa pode ser realizada nas brincadeiras coletivas. Não se trata de fazer uma brincadeira qualquer e, em seguida, proferir um discurso sobre as virtudes da cooperação. Trata-se, sim, de realizar a prática de maneira que os alunos acompanhem, conscientemente, cada passo da construção da brincadeira. Esse é um dos princípios do esporte educacional, ou seja, a construção coletiva.

Acompanhemos: primeiro a professora chama seus alunos e se senta com eles em uma roda. Em seguida propõe uma brincadeira coletiva para fazer na aula. Pergunta quem a conhece. Pede opiniões, descrições, passa a palavra a seus alunos, provoca conflitos, administra-os, ajuda seus alunos a chegarem a um acordo. Depois parte para a prática com eles. Enquanto brincam, fica atenta aos acertos, aos erros, às reclamações. A cada discussão, interrompe a atividade e conversa com os alunos sobre o problema, conduzindo a conversa para a construção de uma regra que supere os conflitos. A brincadeira continua até o final da aula, quando novamente alunos e professora se reúnem em roda para uma conversa sobre as práticas realizadas.

João Batista Freire
Consultor Pedagógico
Graduado em Educação Física pela FEFISA, mestre em Educação Física pela Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo – USP e Doutor em Psicologia Escolar pela USP.
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