Metodologias de ensino e aprendizagem esportiva, como o Teaching Games for Understanding, de Bunker e Thorpe (1982), os Jogos Desportivos Coletivos de Bayer (1994), os Jogos de Invasão de Mertens e Musch (1991) e, no Brasil, a Iniciação Esportiva Universal, de Benda e Greco (1998) e Pedagogia do Futebol de Freire (2002) são modelos de ensino dos esportes que explicitam a motivação como um dos pontos fundamentais para a aprendizagem esportiva.
Nos processos de ensino e aprendizagem, sejam esportivos ou não, com diferentes conteúdos ou ambientes, a motivação constitui-se como um dos fatores fundamentais e, segundo Becker Júnior (1996), a mola propulsora do comportamento humano, determinando a busca de qualquer objetivo pelo ser humano. A motivação explica diferenças de desempenho e envolvimento dos alunos em comportamentos relacionados com aprendizagem, desempenho, dedicação e práticas atentas (MURRAY, 1973).
Consequentemente, a motivação dos aprendizes e os fatores inerentes competem precisamente à escola ou as instituições de ensino (clubes, academias, escola de esportes, etc.), que devem buscar os caminhos e recursos mais apropriados, em razão do planejamento e estratégias de ensino desencadearem diferentes reações emocionais (positivas e negativas), que incidem sobre o ambiente e os alunos, afetando a motivação e a aprendizagem.
O conhecimento dos fatores que envolvem a motivação é essencial ao professor de Educação Física, que não desenvolve atividades apenas com atletas que se interessam pela prática, mas, principalmente, com alunos que são obrigados a frequentar as aulas. Dessa forma, motivá-los a aprender é fundamental, porque, de acordo com Freire (2002), deve-se ensinar bem esporte a todos e não apenas aos mais hábeis e talentosos. Nesse sentido o objetivo do texto é contextualizar o nexo entre o jogo e motivação para a aprendizagem esportiva.
A motivação é processo ativo, intencional e dirigido a uma meta, entende-se motivação como a direção e intensidade do esforço, que leva o indivíduo a fazer ou deixar de fazer algo. Para Magill (1984) e Winterstein (1992), motivação associa-se a motivos, entendido como força interior, impulso ou intenção, para realizar algo ou agir de certa forma, que desencadeia, direciona e finaliza uma ação.
Segundo Murray (1973) os motivos podem ser classificados em dois grupos: 1) Intrínsecos – Impulsos básicos (inatos ou primários): constituídos pelas exigências orgânicas e fisiológicas; e 2) Extrínsecos – Motivos sociais (adquiridos ou secundários): formados pelas necessidades sociais de origem externa, sentir-se amado, recompensas financeiras ou outras, são decisivos para o sucesso.
Infere-se dois tipos de motivação: Intrínseca (interna/impulso) e Extrínseca (externa/incentivo). Magill (1984) e Witter e Lomônaco (1984) entendem que a motivação intrínseca se refere ao comprometimento em uma atividade pelo prazer e satisfação. Nesse caso, a motivação surge como decorrência da própria aprendizagem, o conteúdo aprendido fornece o próprio reforço, a tarefa é feita porque é agradável prazerosa (jogo). Já a motivação extrínseca ocorre, quando a aprendizagem atende a outro propósito, como ser aprovado no exame, ascender socialmente, receber uma premiação ou reconhecimento importante.
Witter e Lomônaco (1984) destacam que, na prática, os dois tipos de motivação estão presentes no processo de aprendizagem, porém mesmo empregando-se recursos extrínsecos, espera-se obter motivação intrínseca, pois a aprendizagem baseada apenas em motivação extrínseca tende a deteriorar-se, ao satisfazer a necessidade ou alcançar o alvo externo. Já na motivação intrínseca tende a se manter constante. As crianças motivadas internamente têm probabilidade de serem mais persistentes, de apresentarem níveis de desempenho mais altos e realizarem mais tarefas do que quando por motivos externos (CHICARATI, 2000).
Entre os inúmeros motivos, os mais destacados são a Afiliação (necessidade de contato e identificação), Poder (necessidade de influenciar ou impor-se) e Realização (WINTERSTEIN, 1992). Em razão das limitações do texto, dedica-se atenção apenas ao Motivo de Realização, pela sua importância no âmbito educacional e seu nexo com os jogos.
Heckhausen (1980, apud WINTERSTEIN, 1992) define Realização como a busca da melhoria ou manutenção da própria capacidade nas atividades em que é possível medir o próprio desempenho (como os jogos), sendo que a execução das mesmas pode levar a um sucesso ou a um fracasso. Já Murray (1973, p. 155) a entende como um padrão de excelência, ou “como um desejo de alcançar o sucesso”.
Identifica-se a relação do Motivo de Realização com as práticas dos jogos, quando Wallon (1981) afirma que o jogo não se configura pela ausência de esforço das crianças, ao contrário, apresenta-se como participação mais séria e comprometida do que em tarefas a que são obrigadas. Os motivos que levam ao esforço visam à obtenção de sucesso no jogo, que acarreta a aceitação e reconhecimento social. Quanto maior a dificuldade imposta pelo jogo, desde que de possível superação, maior à exaltação das crianças, pois para Wallon (1981), o jogo tende a perder o interesse das crianças, se não contiver a esperança de sucesso.
Os fatores que interferem no Motivo de Realização são o nível de aspiração, a norma de referência e a atribuição (WINTERSTEEIN, 1992). O nível de aspiração é o rendimento que uma pessoa pretende alcançar numa determinada tarefa, avaliando-se o desempenho anterior. Para determiná-lo, o indivíduo se propõe a alcançar determinados objetivos, os quais podem mudar devido ao sucesso ou o fracasso na realização da atividade. As pessoas que têm Motivo de Realização adequado optam por metas compatíveis com suas reais possibilidades.
A Norma de Referência diz respeito aos parâmetros para avaliação dos resultados de rendimentos. De acordo Winterstein (1992), pode haver melhoria na motivação com uma Norma de Referência individual, pela qual se vivenciam adequadamente os sucessos e fracassos, determinando realisticamente seu nível de aspiração.
Já Atribuição significa a busca das causas que podem explicar os resultados obtidos, quando tem sucesso, ou fracasso, na execução de uma atividade. A localização da causa pode ser interna (capacidade, esforço) ou externa (dificuldade da tarefa, acaso).
A criança ao ser desafiada e conseguir superar se motiva a novos desafios, em razão de seu desempenho positivo. Para Wallon (1981) o êxito no jogo, por mérito ou sorte, possibilita à criança superação de situações limitantes e supremacias habituais. Isso ocorre, principalmente, nos jogos coletivos, com foco na autossuperação e não na vitória e superação do outro, em que posso aspirar a metas superiores, com a colaboração e participação dos colegas no sucesso conquistado e, consequentemente, na divisão de responsabilidades quanto ao êxito ou o fracasso na realização da tarefa, diminuindo a frustração das crianças. Para Magill (1984) crianças que jogam pelo puro prazer de aprender mais ou pela satisfação de ultrapassar seus próprios limites, são internamente motivadas para jogar e, consequentemente, aprender mais.
Segundo Harter (1988) e Winterstein (2002) a percepção de competência, com os êxitos, reflete no autoconceito, ocasionando em aumento de esforço e, consequentemente, motivação. Leontiev (1988, p.119) explicita a relação jogo e motivação: “que tipo de atividade é caracterizada por uma estrutura tal que o motivo está no próprio processo? Ela nada mais é que a atividade comumente chamada de brincadeira”.
Constata-se que o jogo possibilita a satisfação de necessidades das esferas interna e externa, ao contemplar aspectos pessoais e sociais, que configuram os motivos que impulsionam os seres humanos, porque o jogo estimula a interação social, pensamento e comunicação e favorecem, ainda, a autoestima, que influencia no comportamento motivacional.
REFERÊNCIAS
BAYER, C. O ensino dos desportos colectivos. Lisboa: Dinalivro, 1994.
BECKER JÚNIOR, B. El efecto de tecnicas de imaginacion sobre patrones lectroencefalograficos, frecuencia cardiaca y en el rendimento de praticantess de baloncesto com puntuaciones altas y bajas en el tiro libre. 1996. Tesis (Doctoral) – Facultad de Psicologia, Universidad de Barcelona, Barcelona, 1996.
BENDA, Rodolfo N.; GRECO, Pablo J. (orgs). Iniciação esportiva universal: da aprendizagem motora ao treinamento técnico. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
CHICARATI, K.C. Motivação nas aulas de educação física. Revista da Educação Física da UEM, Maringá: v.11 n.1, p.97-105, 2000
FREIRE J. B. Pedagogia do Futebol. Londrina: Midiograf, 2002.
HARTER, S. Causes, correlates, and functional role of global self-worth: a life-span perspective. In: KOOLIGAN, J.; STERNBERG, R. (org.). Perceptions of competence and incompetence across the life-span. New Haven: Yale University Press, 1988.
LEONTIEV, Alexis N. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In VIGOTSKY, Lev S. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Tradução de Maria da Penha Villalobos. São Paulo : Ìcone/Edusp, 1988, p.119-142.
MAGILL, R. A. Aprendizagem Motora: conceitos e aplicações. 5. ed. Tradução Araçy Mendes da Costa. São Paulo: Edgard Blücher, 1984.
MERTENS, B.; MUSCH, E. L’enseignement des sports collectives: une conception elaborèe a l’isep de l1université de gand. Revue de l’Education Physique, v. 31, n. 1, p.7-20, 1991.
MURRAY, E. S. Motivação e emoção. Rio de Janeiro: Prentice Hall, 1973
WALLON, H. A evolução psicológica da criança. Tradução de Ana de Moura e Rui de Moura. 3.ed. Revisada e Ampliada. São Paulo: Andes, 1981.
WINTERSTEIN, P. J. Motivação, educação física e esporte. Revista Paulista de Educação Física, v.6, n.1, p. 53-61, jan./jul., 1992.
_______ . A motivação para a educação física e para o esporte. In: DE ROSE JÚNIOR, D. (org.) Esporte e atividade física na infância e adolescência: uma abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 77-87.
WITTER, G. P.; LOMÔNACO, J.F.B. Psicologia da Aprendizagem. São Paulo: Pedagógica e Universitária. 1984.