— COLUNISTAS/ Celiane Oliveira

Esporte Educacional e suas contribuições para uma “educação para o pensar”

ESCRITO EM — 10/04/2023

10:24 hs

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Muito se discute sobre o conceito de esporte, suas dimensões sociais de rendimento, lazer, escolar e educacional.  O Instituto Esporte & Educação foca sua atuação na dimensão educacional, por esse motivo, neste texto buscaremos relatar como a metodologia do IEE incorporou a ferramenta “rodas de conversa” durante as aulas de esporte educacional e como elas podem colaborar na “educação para pensar, e pensar bem”.

Ao tratar do esporte educacional, Tubino (1992) diz que “A educação, tem um fim eminentemente social, ao compreender o esporte como manifestação educacional, tem que exigir do esporte-educação um conteúdo fundamentalmente educativo”. Dessa forma, o esporte educacional deve contribuir para formação integral, no trabalho em grupo, na tomada de decisões, na relação com ele mesmo e com os que estão a sua volta.

Com isso, vemos que se faz necessária a abordagem de um esporte que visa a formação do indivíduo crítico, reflexivo e transformador. Esporte esse que leve o educando a questionar e não se acomodar, ou seja, tornar-se autônomo em sua forma de pensar e agir.

A autonomia, segundo Freire (2003), é a capacidade de se auto governar, ou seja, a capacidade de tomar decisões com independência, contudo, sem realizar ações contrárias a vida.

Partindo destes princípios, a pergunta que segue é a seguinte: Como faríamos para que um educando tome decisões a seu favor sem prejudicar o outro?

De acordo com Freire, o educador é importantíssimo na construção da autonomia que só acontecerá se o educando a experimentar “[…]o fato de experienciar, a cada dia diversificadas situações de autonomia ensina-o a ser autônomo”.

Uma das condições para obtermos autonomia é a “tomada de consciência”, que ocorre a partir do momento que o indivíduo toma decisões levando em consideração “o bem” de todos.   

Como dissemos, o Esporte Educacional tem como objetivo promover a formação integral dos alunos se utilizarmos o esporte como ferramenta pedagógica. Essa abordagem enfatiza o desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais, emocionais e físicas dos indivíduos envolvidos.

O Esporte Educacional, para além das habilidades motoras oferece uma excelente oportunidade para o ensino de habilidades de pensamento crítico e resolução de problemas. Durante as atividades esportivas, os participantes precisam tomar decisões rápidas e eficazes, avaliar informações, considerar diferentes pontos de vista e trabalhar em equipe. Essas habilidades são essenciais para o sucesso acadêmico e profissional e podem ser desenvolvidas e aprimoradas por meio da prática esportiva.

Além disso, o Esporte Educacional também oferece uma oportunidade para os professores ensinarem valores importantes, como respeito, responsabilidade, solidariedade, honestidade e comprometimento. Esses valores são essenciais para a formação de cidadãos críticos, ativos e conscientes.

Em resumo, o Esporte Educacional pode ser uma excelente ferramenta para o ensino de habilidades de pensamento crítico, resolução de problemas e valores importantes para a vida dos indivíduos.

Mas como, na prática, o esporte educacional pode ensinar a pensar?

Matthew Lipman é um educador que se dedica ao estudo e ensino de habilidades de pensamento crítico e argumentação. Ele é autor de diversos livros sobre o tema, entre eles “Filosofia na sala de aula”, que aborda as estratégias e habilidades necessárias para se tornar um pensador crítico eficaz.

De acordo com Lipman, ensinar a pensar não é simplesmente transmitir informações ou conhecimentos aos alunos, mas sim ajudá-los a desenvolver habilidades de pensamento crítico que lhes permitam avaliar, analisar e questionar o mundo ao seu redor. Ele enfatiza que o objetivo do ensino de pensamento crítico é capacitar os alunos a se tornarem cidadãos ativos e responsáveis, capazes de tomar decisões informadas e participar de discussões significativas sobre questões importantes.

Para Lipman, o ensino de habilidades de pensamento crítico deve envolver a prática constante e a aplicação dessas habilidades em situações do mundo real. Ele destaca a importância de se ensinar aos alunos a fazer perguntas críticas, avaliar argumentos, reconhecer vieses e falácias, e aplicar princípios de lógica e evidência para chegar a conclusões informadas.

Além disso, Lipman também destaca a importância de se ensinar habilidades de comunicação e argumentação, para que os alunos possam expressar seus pensamentos e opiniões de forma nítida, persuasiva e fundamentada.

Em resumo, Matthew Lipman acredita que o ensino de habilidades de pensamento crítico é fundamental para capacitar os alunos a se tornarem cidadãos responsáveis e participativos, capazes de tomar decisões informadas e contribuir para uma sociedade mais justa e democrática.

                Analisando os argumentos acime, chegamos a conclusão de que “Pensar bem” é articular idéias ou informações entre si. Quando pensamos de forma fundamentada, produzimos significados e explicações, ou seja, produzimos conhecimento.  Autores como A. Damásio em seu livro “O Mistério da Consciência” e Marilena Chaui em “Convite a Filosofia”, relacionam o conhecimento diretamente ao trabalho da consciência:

O que poderia ser mais difícil de conhecer do que conhecer o modo como conhecemos? … consciência: … a percepção que um organismo tem de si mesmo e do que o cerca.” (Damásio)

Do ponto de vista da teoria do conhecimento, a consciência é uma atividade sensível e intelectual dotada do poder de análise, síntese e representação… É saber de si e saber sobre o mundo, manifestando-se como sujeito percebedor, imaginante, memorioso, falante, pensante. É o entendimento propriamente dito. (Chauí, 1995). 

Como reunir esses saberes em uma aula de esporte educacional?

No início deste texto falamos sobre a ferramenta “Rodas de Conversa”, enfatizamos que o Instituto Esporte & Educação valoriza e estimula as intervenções dos professores durante as aulas de esporte. As rodas podem acontecer no início, meio e/ou final da aula. A frequência das rodas de conversa deve se dar a partir das expectativas de ensino-aprendizagem e da necessidade de intervenções planejadas pelo educador. O mais importante é que os educandos tenham tempo equilibrado para jogar e debater, resolver os conflitos em grupo e testar no jogo o que foi discutido.

As rodas de conversa são uma ótima estratégia para promover o pensamento crítico. Nesse formato de diálogo, os alunos se reúnem em grupos para discutir tópicos específicos, regras e adaptações dos jogos, compartilhar opiniões, debater ideias e tomar decisões coletivas.

Aqui estão algumas dicas para que rodas de conversa promovam pensamento crítico e ensinem os alunos a “pensar bem”:

  • Defina o tema: O tema inicial da roda de conversa deve ter relação com o planejamento da aula, com o jogo, com o conflito que surgiu da jogada ou ainda a escolha de um tópico relevante para os alunos. É importante que o tema seja adequado ao nível de conhecimento dos alunos e que estimule a reflexão crítica. As rodas de conversa também devem ser usadas para adaptações nos jogos por meio do Sistema P-R-O-T-E-G-E. (Leia mais sobre essa ferramenta em outros textos do IEE).
  • Crie um ambiente seguro: As rodas de conversa devem ser espaços seguros e inclusivos, onde os alunos se sintam à vontade para expressar suas opiniões e ouvir as opiniões dos outros. Crie regras básicas para a conversa, como respeitar as opiniões dos outros e não interromper quando alguém estiver falando.
  • Incentive a reflexão crítica: Faça “boas perguntas” que incentivem os alunos a pensar criticamente sobre o tópico, como “Por que você acredita que isso é importante?”, “Quais são as possíveis consequências disso?” ou “Existem outros pontos de vista que devemos considerar?”.
  • Estimule o diálogo: Encoraje os alunos a ouvirem atentamente as opiniões dos outros e a responderem com perguntas e argumentos fundamentados. O objetivo é estimular um diálogo construtivo e colaborativo, onde todos possam aprender uns com os outros.
  • Encerre a conversa: Encerre a roda de conversa com uma síntese das principais ideias discutidas, com os combinados e regras organizados e faça uma reflexão final sobre o tópico. Peça aos alunos que compartilhem o que aprenderam e como podem aplicar essas ideias em suas vidas diárias.

Usando as dicas citadas, podemos considerar que as rodas de conversa são uma ótima maneira de promover o pensamento crítico e a reflexão. Ao criar um ambiente seguro e inclusivo e incentivar o diálogo e a reflexão crítica, os alunos podem desenvolver habilidades importantes para a tomada de decisões, consciência e participação cidadã. 

As rodas de conversa, bem mediadas, são uma excelente ferramenta para ensinar os alunos a “pensarem bem”, pois os estimulará a refletir sobre as atitudes, habilidades, dificuldades, regras, combinados, valores, trabalho em equipe, preconceitos, situações do jogo que refletem no cotidiano, ou qualquer tema relevante e significativo para o grupo, assuntos que os fará refletir sobre o jogo… sobre a vida.

REFERÊNCIAS:

ADRIANO R. J, CAIO, M.C, FABIO D. Práticas Pedagógicas Reflexivas, 2ed. São Paulo: Phorte, 2007

DAMASIO A. O Mistério da Consciência. tradução Laura Teixeira Motta; revisão técnica Luiz Henrique Martins Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

CHAUÍ Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2000. COELHO, Teixeira

EDGAR M. Os Sete Saberes Necessários a Educação do Futuro. São Paulo: Editora Cortez, 2007

FREIRE J. B. Pedagogia do Futebol. Londrina: Midiograf, 2002

FREIRE J.B. Educação como Prática Corporal. São Paulo: Editora Scipione, 2006

FREIRE P. Pedagogia da Autonomia – Saberes Necessários à Prática Educativa. 3ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2007

TUBINO M. J. G. Dimensões sociais do esporte. 2ed. São Paulo/SP: Editora Cortez, 2001. 1992. 2001

MATTHEW L., ANN MS. S, FREDERICK S. O. Philosophy in the Classroom (Filosofia na Sala de Aula). Brasil/São Paulo: Editora Nova Alexandria S, 2006

Celiane Oliveira
Coordenadora do Instituto Esporte & Educação
Graduada em Educação Física e em Pedagogia; pós-graduada em Yoga, Especialista em Educação para o Pensar e Filosofia Política e Teoria Social.
COLUNISTAS DO IEE

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