— COLUNISTAS/ Adriano Rossetto Junior

Jogos na aprendizagem das habilidades esportivas

ESCRITO EM — 07/06/2023

15:49 hs

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Durante muito tempo e atualmente, a metodologia de ensino dos esportes limita-se a considerar a justaposição das partes: condição física e técnica (BENDA; GRECCO, 1998). O processo de ensino e aprendizagem é formatado numa sequência pedagógica pela qual somente após aquisição de habilidades e técnicas possibilita-se jogar. O aprendizado torna-se, assim, repetitivo, monótono e desestimulante, devido ao rigor na execução dos fundamentos, em especial para crianças.

Observa-se nas literaturas de ensino dos esportes autores mais técnicos, como Comas (1991), Daiuto (1971) e De Rose e Ferreira (1984), que entendem que somente após a prática das técnicas, com relativa eficiência, é possível dedicar-se ao jogo esportivo propriamente dito, já Albert e Rotenberg (1984) e Benda e Greco (1998), procuram antepor pequenos jogos esportivos, em uma sequência, com a combinação de série de exercícios para a condução de desenvolvimento ascendente das habilidades. Entretanto, autores mais pedagogos, como Garganta (1995), Graça e Oliveira (1997), Mattos e Neira (1999) e Souza (1999) têm a concepção de que somente poderá aprender um jogo jogando, através das experiências do próprio jogo.

O jogo é objeto de estudo sob diversos prismas, originando uma gama de pesquisas e projeções. As recentes investigações nas áreas de educação e psicologia têm ressaltado a relevância dos jogos e brincadeiras infantis em diferentes campos de aprendizagem, matemática, física, línguas, etc.

Estudos que levam os pesquisadores de diversas partes do mundo a investirem em novas propostas de ensino com valorização do lúdico, “[…] daí decorre a importância, em uma perspectiva cognitiva, de se trabalhar a criança em contextos concretos, por exemplo, utilizando jogos de regras, situações problemas, circunstâncias da realidade vivida, etc.” (MACEDO, 1994, p.138).

A Educação Física que tem em seu currículo o jogo como conteúdo e estratégia de ensino, tem repensado os processos de ensino e aprendizagem. O brincar não pode ser visto apenas como uma ocupação do tempo e lazer da criança. A atividade lúdica é fundamental no âmbito da motricidade, da inteligência, das emoções e das relações sociais e afetivas.

O texto objetiva contextualizar a relação das vivências de jogos e brincadeiras na aprendizagem das habilidades esportivas, com o intuito de buscar práticas pedagógicas que vão ao encontro das atuais necessidades e interesses das crianças, que tenham real significado e motivação para elas, sem, contudo, abandonar a possibilidade da prática futura eficiente e de fruir de um jogo/esporte culturalmente conhecido e, portanto, conteúdo da educação física a ser desenvolvido.

Acredita-se e busca-se a viabilidade da aprendizagem e do desenvolvimento motor por meio dos jogos, para tornar o aprendizado esportivo mais motivante, prazeroso e significativo às crianças, em razão de ser o jogo, indispensável à saúde física, emocional e intelectual da criança. Tanto isto é afirmativo que a UNESCO (1979, p.05, citado por MELLO, 1989, p.63) considerou o jogo, “a razão de ser da infância, de importância vital e condicionadora de desenvolvimento harmonioso do corpo, da inteligência e da afetividade”.

Entende-se que a relação da prática dos jogos com a aprendizagem motora, encontra-se nos fatores apontados por Magill (1998) e Schmidt e Wrisberg (2001) como facilitadores da aprendizagem, que são os estímulos internos e externos à ação motora.

Na categoria de informações estritamente externas, encaixa-se a orientação do professor, que auxilia os aprendizes a executarem as habilidades. Compreendendo-se por orientação a instrução e a demonstração, que se constituem no procedimento de comunicar as informações para dirigir física, verbal ou visualmente os aprendizes no desempenho de tarefas motoras, com o intuito de diminuir erros e afastar os receios dos aprendizes.

Os estímulos internos são os próprios estímulos advindos da prática da ação motora, os quais os indivíduos são capazes de perceber de forma mais direta, sem o auxílio especial de outras pessoas ou fontes. Estas informações são denominadas pelos autores de feedback intrínseco, que consistem, de acordo com Schmidt e Wrisberg (2001), em informação sensorial que indica o estado e o resultado dos movimentos de uma ação motora. São os mecanismos internos, muitas vezes, responsáveis pela produção, controle e mudança de comportamento motor (aprendizagem), ou seja, mecanismo propiciador do passar não saber para o saber executar uma tarefa motora.

Acredita-se que com a prática dos jogos e brincadeiras as crianças percebam os estímulos oriundos das atividades e ao analisarem, interpretarem, relacionarem e organizarem esses estímulos, passem a controlar e executar os movimentos de forma habilidosa, especialmente, com a soma das orientações dos professores (feedback extrínseco).

Mello (1989) relata a importância da iniciação esportiva por meio de vivências de atividades amplas, como os jogos e brincadeiras da cultura, em razão das habilidades básicas praticadas nessas facilitarem a aprendizagem das habilidades motoras esportivas. Magill (1984) e Benda e Greco (1998) corroboram com a afirmação ao relatarem que quanto mais variadas as habilidades e atividades vivenciadas, mais ricas serão as capacidades e habilidades motoras.

O desenvolvimento motor propiciado nos jogos, deve-se aos jogos possibilitarem atividades complexas que requerem uma atitude tático-estratégica que somente o jogo permite, como também pelo fator motivação, que para Souza (1999, p. 88) “o desempenho psicomotor da criança enquanto brinca alcança níveis que só a motivação intrínseca consegue”.

Os jogos como fatores de estímulo ao desenvolvimento motor, quando associados à explanação de Mitchell (1996) de que durante o jogo surge o gosto pelo gesto técnico, pelo significado que este tem no sucesso do jogo, assim a criança valoriza a sua execução e passa a exercitar a prática do movimento pelo significado que este representa no êxito do jogo. Proença (1999), também, ressalta as condições de prática e motivação dos jogos e brincadeiras como fatores favoráveis para a aprendizagem. Campos (1999), ainda, ressalta que o estímulo do professor deve ser criativo ao propor atividades lúdicas, em razão da busca da motivação e prazer no processo de ensino e aprendizagem das habilidades motoras.

Graça e Oliveira (1997, p.18) declaram “deve-se propor um jogo ou formas jogadas acessíveis, isto é, com regras pouco complexas, com menos jogadores, e num espaço menor, de modo a permitir a continuidade das ações e elevadas possibilidades de concretização”, iniciando sempre do mais simples para o mais complexo, mas sem dissecar o movimento e que sempre tenha significado e traga prazer para as crianças.  

Benda e Greco (1998) caracterizam o esporte como jogos de constante comportamento tático, com alto nível de incerteza e imprevisibilidade, o que leva a acreditar na necessidade de aprender as habilidades no tempo, espaço e condições de emprego na prática, ou seja, no próprio jogo, com constantes problemas e alterações.

A partir da compreensão que transferir é deslocar de um ponto a outro, no caso específico da aprendizagem motora, constata-se o mesmo conceito de transferência nas afirmações de Schimidt e Wrisberg (2001, p.165) , “como o nome diz, este conceito envolve a aplicação da aprendizagem atingida em uma tarefa, ou situação, na performance de alguma outra tarefa, que é geralmente chamada de tarefa critério”. A transferência de aprendizagem: a) pode ser estimada a partir do ganho (ou perda) na proficiência em uma tarefa, como resultado da prática ou experiência em outra; b) pode ser tanto positiva quanto negativa, dependendo das tarefas desenvolvidas; c) pode ser grosseiramente estimada como porcentagem de ganho na tarefa critério, que resultou da prática na tarefa anterior.

Pode-se inferir que os jogos favorecem a aprendizagem das habilidades esportivas, porque ocorre a transferência de aprendizagem positiva, em razão das crianças melhorarem a performance nas habilidades esportivas ao aplicarem os conhecimentos adquiridos em situações muito diferentes da prática avaliada, como em jogos e brincadeiras que solicitam as habilidades básicas e combinadas.

Lembra-se, ainda, que este pode não ser o meio mais eficaz para o ensino e aprendizagem motora, mas sem dúvida o jogar deve ser considerado pertinente nas aulas de Educação Física, especialmente, pelo aspecto de motivação e prazer que envolvem as crianças em sua prática, fatores  fundamentais no despertar do interesse dos alunos para a prática esportiva, e propiciar desenvolvimento dos aspectos socioemocional, intelectual e não somente o motor, possibilitando educar integralmente os alunos.

REFERÊNCIAS

ALBERTI, H.; ROTHENBERG, L. Ensino de jogos esportivos: dos pequenos aos grandes jogos esportivos. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1984.

BENDA, R. N.; GRECO, P. J. (orgs). Iniciação esportiva universal: da aprendizagem motora ao treinamento técnico. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

COMAS, M. Baloncesto, mais que un juego.Madri: Benzal, 1991.

DAIUTO, M.B. Basquetebol: Metodologia do ensino. São Paulo: EDUSP, 1971.

DE ROSE, D.; FERREIRA, A. X. Basquetebol Técnicas e Táticas. São Paulo: EDUSP, 1984.

GRAÇA, A.; OLIVEIRA, J. O ensino dos jogos desportivos.2ª ed Porto: Universidade Porto, 1997.

MACEDO, L. Ensaios Construtivistas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.

MAGILL, R. A. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. 5ª ed. São Paulo: Blücher, 1998.

MATTOS, M. G.; NEIRA, M. G. Educação Física Infantil. São Paulo: Phorte, 1999.

MELLO, A. M. Psicomotricidade, educação física, jogos infantis. 3ª ed. São Paulo: Ibrasa, 1989

MITCHELL, S. A. Tactical approaches to teaching games: Improving invasion game performance. Joperd, v.67, nº 2, p.30-33, 1996.

PROENÇA, J. E. Projeto Ana Mozer de Voleibol. Apostila. Instituto Esporte e Educação, 1999.

SCHMIDT, R. WRISBERG, C. Aprendizagem e performance motora. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2001.

SOUZA, Adriano J. É jogando que se aprende:o caso do voleibol. In: PICCOLO, Vilma L.N. (org.). Pedagogia dos Esportes. Campinas, São Paulo: Papirus, 1999.

Adriano Rosseto Jr.
Coordenador do Instituto Esporte & Educação
Graduado em Educação Física e Pedagogia, Especialista em Educação Física escolar, Mestrado em Educação, Doutorado em Ciências Sociais
COLUNISTAS DO IEE

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